Entre a ideia e a execução: Que Inter veremos em 2021?
- Alexandre Patz Hein

- 1 de mai. de 2021
- 11 min de leitura
Por Alexandre Hein.
Quando a imprensa gaúcha noticiou, ainda em dezembro passado, o acerto com o técnico espanhol Miguel Ángel Ramirez, pensei comigo mesmo: QUE contratação! Palmeiras, Flamengo e São Paulo já haviam demonstrado interesse no seu trabalho. O ex-comandante do promissor Independiente Del Valle, equipe que demonstrou o melhor futebol da América do Sul, ao lado de Flamengo e River Plate nos últimos 2 anos, foi apresentado em solo gaúcho após a ótima campanha do Internacional no Brasileirão da temporada passada, terminada no final de fevereiro de 2021. Para além do bom desempenho no seu último e primeiro clube como treinador de “categoria” profissional, mostrou ser um treinador com muito conhecimento e de muita simpatia. Vale a pena assistir a sua entrevista no “Bola da Vez” no canal ESPN concedida quando ainda treinava a equipe equatoriana.
Miguel chegou em Porto Alegre com uma missão sustentada pela nova diretoria: mudar os conceitos e a forma de jogar do Inter. Fazer estas mudanças em um “território hostil” como é o brasileiro, onde treinadores são demitidos após duas ou três partidas “ruins” ou após uma derrota em um clássico local, não é e nem será uma tarefa fácil. Ter apoio da tríade “torcida-imprensa-diretoria” demanda tempo, bons desempenhos e principalmente, resultados. Terá isto tudo na “terra do imediatismo”? Não sei, mas acredito – e torço – que sim.
O modelo de jogo, ou seja, a forma de jogar, adotada pelo técnico espanhol é bem conhecida no futebol atual: o “Jogo de Posição”. Em resumo, o Jogo de Posição* (ver matéria Rafael Diverio/RBS) se baseia em alguns conceitos. Os principais são: ocupar espaços no campo tendo como referências os companheiros, os adversários e principalmente, a posição da bola; obter vantagens (numérica, qualitativa ou posicional) em relação ao adversário; e, controlar o jogo por meio da posse da bola. Todos os treinadores – e suas diferentes formas de jogo adotadas – possuem conceitos. Alguns treinadores são mais flexíveis, outros menos. Porém, todos buscam, com suas ideias, obter vantagens em relação ao seu adversário e os seus comandados“ respondem ao jogo” de acordo com as relações entre bola-adversários-companheiros-estratégia. Estas relações são inerentes ao futebol. Nada novo. O gol de Carlos Alberto na final da Copa do Mundo de 1970 é um belo exemplo disso. Movimentações de acordo com a posição da bola, vantagens, posse de bola. Está tudo lá.
Então qual seriam as diferenças desta forma de jogar para as outras? Justamente a “forma”. A “estética” produzida por este jogo é diferente do que historicamente estamos acostumados a ver por aqui, principalmente no futebol gaúcho. Por vezes, pode até causar espanto em algum desavisado que liga a televisão e enxerga um lateral “jogando de volante”, um zagueiro conduzindo a bola no campo ofensivo ou até mesmo o goleiro tabelando com o zagueiro dentro da área. Estes treinadores pautam – e defendem – a organização dos seus treinamentos e jogos em cima dos conceitos preconizados pelo Jogo de Posição.
Temos a “ideia” de Miguel Ángel Ramirez. É claro que existem mais conceitos a serem desenvolvidas dentro de campo. Mas qual Inter veremos em 2021? A análise a seguir está pautada nos jogos que o Inter fez nesta temporada (Gauchão + Libertadores) e no que projeto para o ano.
O que produziu até aqui? Quais peças vão desempenhar as funções dentro do jogo? Que dificuldades estão sendo encontradas? Estas são algumas perguntas que serão respondidas ao longo do texto.
Sistema de Jogo – O técnico parte do 4-3-3 (imagem abaixo) como base do seu sistema. É claro que em cada “fase do jogo”(ofensivo, defensivo, transições) existem conceitos e movimentações. O Jogo de Posição não é um sistema “estático”, como muitos acreditam, e, são nestas movimentações, que buscamos identificar os detalhes e os comportamentos para melhor entender como o Internacional vem atuando.

Fase Ofensiva – É parte que mais chama atenção no jogo deste “novo Inter”. Iniciar a construção ofensiva pelo chão atraindo o adversário ao seu campo, para que os atacantes enfrentem defesas menos ajustadas e que todos os atletas encontrem as vantagens – e tirem proveito delas – dentro do jogo. Resumidamente, são as principais ideias nesta fase. Mas e agora? O que fazer para tudo isto fluir com perfeição? Aqui temos o primeiro conflito “ideia x execução”. No papel tudo é coerente e pode dar certo, porém, existem adversários do lado oposto que, com suas variadas estratégias, querem inibir o time do Internacional. E o encaixe do elenco? Lomba, Zé Gabriel ou Lucas Ribeiro, Cuesta, Dourado e os laterais estão preparados para executar este tipo de jogo? Talvez sim, talvez não. O tempo e a execução nos responderão.
Os vídeos a seguir mostram os dois lados da moeda: a execução correta que gera situações ofensivas de perigo para o Inter, como também, o erro que gera vantagem para o adversário. A “forma” do jogo agora é essa: jogar pelo chão desde o goleiro. Pode dar certo ou errado, como qualquer outra forma de jogar.
No primeiro vídeo o Inter atrai o adversário para o seu campo (com muita segurança), por meio da utilização do goleiro (vantagem numérica), para atacar uma defesa com espaços nas suas costas (gerados pela atração) e com apenas 4 defensores. A qualidade individual de Edenilson também chama a atenção no lance. Percepção no “bote” em tempo atrasado do adversário, o drible de corpo que “limpa” o campo para o lançamento e a leitura prévia do espaço nas costas da defesa. Outro ponto a destacar, é que nenhum meia central (Maurício ou Edenílson) “desce” para ajudar na saída da pressão. Eles permanecem em um espaço que pode gerar mais “dano” ao adversário. Já ouvimos o Miguel gritando no banco de reservas para os meias “esperarem no espaço”. Este posicionamento pode ser positivo, mas nem sempre. Depende da situação.
No segundo vídeo temos o erro. Desta vez foi com Zé Gabriel, que vem cometendo falhas na leitura dessas situações. Mas Victor Cuesta, Marcelo Lomba e Dourado também os cometem. A principal crítica aqui é a leitura da situação. E esta leitura é coletiva (treinador + atletas). Qualquer ideia parece, no papel, estar sempre correta. No caso do Inter, a ideia é sair jogando pelo chão com os defensores. Todavia, dentro do jogo, cabe a leitura dos jogadores para entender e responder a situação como julgam ser a ideal para o momento. Saber interpretar e responder aos momentos de vantagem da marcação adversária (o adversário também terá méritos), avaliando o risco da situação, é fundamental para uma boa execução. No vídeo, no momento do passe de Zé Gabriel, que está longe do seu marcador direto, o que também é um erro, há uma igualdade numérica (4x4) não identificada pelo jovem zagueiro. Nesta região do campo é uma situação perigosa, visto que, historicamente, zagueiros e goleiros não possuem tanta qualidade para jogar nestas exigências. Talvez por não experenciar estas situações por mais vezes, mas isso é papo para outra hora. Aimoré, Ypiranga, Grêmio e Always Ready levaram perigo expondo a defesa a situações de pressão alta.
Cabe ao treinador, via treinamentos, estimular os atletas a encontrar soluções para que a execução das ideias gere mais vantagens do que riscos. Alguns ajustes já podem ser vistos, como os laterais jogarem mais próximos da linha de base da jogada quando o adversário pressiona alto, como visto no jogo contra o Táchira. Outras alternativas são os meias recuarem para ser apoio no centro ou até mesmo a bola longa para o centroavante ou pontas. Todas soluções são válidas, desde que treinadas.
Na fase ofensiva, mas “avançando campo acima”, diferentes comportamentos podem ser identificados para situações que o jogo (e o adversário) apresenta. O Inter tem variações de sistemas para a construção ofensiva, principalmente quando os adversários defendem em linhas mais baixas próximas da linha central do campo. Alterna entre o “4-3-3” e o “3-4-3”. A mudança do posicionamento dos atletas é importante, mas “o como” e “o porquê” das movimentações (a partir dos sistemas), são fundamentais para o jogo fluir. Gerar e ocupar espaços, apoios frontais oferecidos pelo centro, busca do 3º homem, jogo entrelinhas, induzir o adversário com a bola, atrair para gerar melhores situações ao companheiro ou para o próprio jogador, condução de bola aos espaços por meio dos defensores, etc. Alguns dos “como” e “porquês”.
No primeiro vídeo acima, podemos observar movimentos interessantes dos 3 defensores. Ao abrir e avançar os laterais, com os meias esperando no “entrelinhas”, espaços são gerados para que um dos defensores – e agora armadores – avance e receba a frente da primeira linha de marcação adversária, dando continuidade na construção ofensiva. Este movimento pode ser realizado pelos 3 defensores, basta a leitura e a execução de acordo com o momento. Também podemos observar, em alguns jogos, uma movimentação que Miguel Ángel Ramirez gosta muito desde os tempos de Del Valle: os laterais buscando espaço por dentro atrás da primeira ou segunda linha de marcação adversária, como Moisés fez no Grenal.
Já no segundo vídeo, os jogadores que ocupam as pontas da “saída de 3”, normalmente os zagueiros, podem avançar em condução atraindo algum adversário – ou não – para liberar algum companheiro livre, se assim o momento permitir. O quase gol de Lucas Ribeiro no Grenal foi um exemplo, mas o “normal” é que a jogada termine em um passe ou um cruzamento longo. O posicionamento da equipe oferece aos atletas diferentes situações dentro do jogo. Todas estas situações descritas nos últimos dois parágrafos são “treináveis”.
Ainda no segundo vídeo, entramos no principal problema do Internacional: a falta de jogadores que desequilibram na parte final do campo, o que leva a equipe à cruzamentos longos, como o do vídeo. Apesar da finalização correta vista na filmagem, na maioria das vezes, estas jogadas são inofensivas. O Inter é quem mais fez cruzamentos na primeira fase do Gauchão, 137 no total (Fonte: Instat). Espaços podem ser gerados e ocupados por dentro ou por fora para “enganar” o adversário. O futebol é “engano” e variar estas situações é muito importante. Mas além da ocupação das faixas de campo (que o Inter tem), é fundamental, no jogo atual, possuir jogadores com vitória no “um contra um”. Velocidade, drible, engano. Necessário. O Inter tem um jogador de força, Patrick, que atualmente ocupa esta “zona de drible”, mas ele não é um daqueles “pontas desequilibrantes”. Caio Vidal é quem talvez tenha características mais próximas a um jogador com tais ferramentas. E Taison? Mais à frente falarei dele. Então, alternativas precisam ser criadas para suprir esta carência. Movimentação dos atletas sem bola é fundamental para desequilibrar adversários nesta parte do campo.
Reservo um parágrafo especial ao “3º homem”. Nada mais é do que a interação de três ou mais atletas, onde o “Atleta A” passa para o “Atleta B” com o intuito prévio de fazer a bola chegar no “Atleta C”. Ressalto a intenção prévia. Há uma percepção, um sentimento, uma leitura anterior que isto deve acontecer. Os três atletas devem estar em sintonia para ler adversários, espaços e tempos dentro da situação. Pode parecer apenas uma tabela, mas não é. Esta situação é muito difícil de ser marcada! Normalmente, o marcador do “C”, quando o passe transcorre de “A” para “B”, fixa o seu olhar na bola, atitude natural do jogador que está marcando, e, é neste momento que o “Atleta C” se desloca aproveitando a vantagem gerada. Esta situação ocorre desde sempre no futebol, mas no momento que é identificada, ela pode ser treinada (jogadores experenciarem mais vezes a situação) e executada com intenção dentro dos jogos.
Os vídeos abaixo exemplificam estas situações. No primeiro, observem como Praxedes, ainda com a bola nos pés de Dourado, “quebrando” o seu pescoço, enxerga Mauricio sendo a opção de apoio (o “Atleta B”) e já se projeta ao espaço gerado nesta situação. Vejam também, como os quatro atletas do Grêmio, no momento do passe de Dourado para Maurício, olham para a bola. Quase gol. Uma pena. Já no segundo vídeo, temos todos os detalhes acontecendo. Uma aula de “3º homem”. Passe de Cuesta para Guerrero, percepção de Edenilson para o apoio e para o espaço, e, marcadores olhando a bola durante o primeiro passe. Tudo. Além disso, uma adição, um novo “3º homem” é criado na (con)sequência da jogada: Rodrigo Lindoso. Alguns treinadores portugueses já chamam esta situação de 4º homem. Ficamos no terceiro, já está de bom tamanho.
Cabe destacar, que nos dois vídeos acima, o Inter está “jogando” a partir do “4-3-3”, mas que os pormenores que acontecem dentro do sistema (o como e o porquê) são os responsáveis por gerar diferentes situações em prol da equipe.
Fase Defensiva – Da mesma forma que na fase ofensiva, diferentes conceitos e comportamentos de marcação são utilizados pelo Internacional. Partindo do 4-1-4-1 com variações para o 4-4-2 (um meia se junta ao atacante e o volante central avança para a segunda linha) a equipe possui ideias claras, mas que podem mudar de acordo com os adversários ou a situação do jogo.
Além do conceito de “marcar ficando com a posse da bola”, o Inter busca pressionar alto para retomar a bola no campo adversário ou forçar a bola longa. As referências de marcação iniciam pelo “espaço” (marcação zona) mas após uma vantagem, uma indução ou algum comportamento adversário identificado pelos jogadores, como um passe ruim ou um passe para trás, as referências passam a ser individuais. Mesmo que executadas em alturas diferentes, mais próximas do gol adversário ou da sua própria meta. Por diversas vezes vemos os laterais acompanhando pontas por dentro ou zagueiros longe da meta perseguindo atacantes. Conceitos iguais aos vistos no último clube treinado pelo espanhol.
Atualmente, há uma corrente mundial “pendendo” fortemente para marcações individuais, principalmente na marcação alta. Um jogo muito físico e de duelos. Esta forma de marcar tem pontos positivos e negativos, como qualquer outra.
No vídeo abaixo, é fácil de identificar os comportamentos anteriores, principalmente as referências individuais. Com isso, os jogadores adversários conseguem manipular os colorados abrindo espaços. Falta de comunicação defensiva para reequilibrar o posicionamento, coberturas e compensações falhas, espaços dentro da linha são alguns dos problemas identificados.
Outro ponto importante é que a amostragem de “jogos grandes”, onde o Internacional vai estar mais exposto defensivamente, ainda é baixa para uma avaliação mais precisa desta fase do jogo. Junto a isso, o conceito de “defender com a bola”, principalmente contra equipes menos qualificadas, tem dado certo, o que contribui para que esta análise tenha poucos dados.
Capítulo Taison – A melhor contratação do futebol brasileiro de 2021 merece um texto a parte. Doze anos depois, qual Taison volta ao Inter? Um grande jogador, com toda certeza. Taison está diferente, mais completo do que aquele sorridente guri pelotense de pernas magras, habilidoso e muito rápido.
Lembro bem quando fui gandula de um confronto entre São Luiz x Internacional no Gauchão de 2008 e pude ver “no campo”, pelo menos ali pertinho, eu não estava jogando, é claro, Taison e Nilmar correrem igual duas lebres. Nunca vi nada igual. Muito rápidos!
O Taison Versão-2021 é um jogador de muita qualidade técnica, leitura de jogo, finalização, joga mais por dentro, um camisa 10 combinador que gosta de estar sempre com a bola e de jogar “pertinho” dos seus companheiros. Combinando e avançando. Pra quem assistiu ele jogando nos últimos anos de Shakthar, era bonito de ver. Um futebol alegre. Um jogador “solto”. Mas e aquele ponta rápido? Sim, Taison ainda é veloz. Fique tranquilo.
Dito isso, onde Miguel pode utilizar Taison? Vejo duas possibilidades no atual sistema: meia esquerda central, ao lado de Edenilson; ou, jogando aberto na ponta esquerda. Nas duas posições, tem total condições de desempenhar o que Miguel vem experimentando com os atuais atletas. Neste caso, a ponta esquerda, com muita liberdade, seria a minha escolha. Deve “casar” melhor com o Taison atual. Caso mude o sistema, o que acho difícil, usar ele pelo centro na linha dos três meias, em um 4-2-3-1, é uma alternativa. Lembrando que mesmo que mude o sistema, os conceitos de jogo serão os mesmos. Mas o ponto principal é: Taison pode ser o fator de mudança que (re)colocará o Inter no rumo dos grandes títulos.
Apesar de estarmos quase na metade do ano, ainda é início de temporada e o Internacional, com seu novo treinador e suas ideias, tem trabalho a fazer para melhorar o seu modelo de jogo, mesmo que com pouco tempo para treinamentos. O normal dentro do futebol brasileiro. O Inter tem um ano cheio de competições importantes e este início de “ano” deve servir para melhorar as engrenagens visando um futuro de títulos.
Entre a ideia, a execução e o resultado, existe um longo caminho a percorrer. E Miguel Ángel Ramirez é o condutor ideal para esta caminhada.
Tchau, tchau e até o próximo texto.
Alexandre Hein é bacharel em Educação Física, mestre em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS, e comentarista da Rádio Repórter de Ijuí.
* Matéria Rafael Diverio/RBS: https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/inter/noticia/2021/03/com-fotos-e-videos-entenda-o-jogo-de-posicao-filosofia-que-miguel-angel-ramirez-tenta-implantar-no-inter-ckm6wo9ah003z016uujoodjut.html






























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