Ruy, a despedida que ninguém queria
- Luiz Henrique Berger

- há 23 horas
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Por Luiz Henrique Berger
A segunda feira começou da pior forma possível. André Moraes, o Formiga, até pensou se tratar de uma brincadeira, tamanha a incredulidade com o post que começava a circular. Outra mensagem, do Caio, Edegar dos Santos, vinha na mesma linha: Luiz, será que é verdade? Em se tratando de Ruy Cezar Borck, poderíamos esperar tudo, mas Formiga chorou. Era verdade. Jorge também ficou sem ação, avisou Jamal, e eram mais dois entre centenas que começaram a segunda-feira sem ação.

Perdemos o Ruy, perdi meu irmão de mais de 50 anos de convivência. Um infarto fulminante fez tombar esse sujeito de coração gigante. Fiquei imóvel por um bom tempo assim que soube. Lembrei que havia pensado nele na noite anterior, ao programar as férias para janeiro com uma passada na Ilha da Magia, como ele costumava chamar.
Mesmo não morando em Ijuí há décadas, a notícia abalou uma multidão de amigos da bola e dos tempos de escola. Isso porque Ruy marcou a vida de muita gente. Pelo seu jeito de ser, pela coragem que nunca lhe faltou, pela forma de tratar bem de quem ele gostava e pela liderança que exercia.
Mário Quintana escreveu que, na convivência, não importa se foi um minuto, uma hora ou uma vida. O que importa é o que ficou desse minuto, dessa hora ou dessa vida. E é isso. Em um minuto de convivência com o Ruy, você já se dava conta de que estava diante de um sujeito diferenciado. Concordam Mateus, Tiago, Cristiano, Rodrigo?, meus sobrinhos, que Ruy falava com orgulho tê-los carregado no colo.

Para o meu filho, a quem sempre avisava com aquela linguagem de boleiro que, ao enfrentá-lo como atacante, assim que a bola rolasse, ele não teria moleza. Artur, na pelada de segunda-feira, usou uma camisa presenteada pelo Ruy e disse "ter dado umas chegadas fortes nos adversários", em homenagem ao Rey.
"A bola rola e o mundo gira", era outra frase dele. Se referia, para muito além do futebol, aos sacanas, metidos a malandros que quiseram crescer ao lado dele. "A conta vai chegar pra eles, Luiz". E repetia: "Quem é da verdade sabe quem é da mentira". Cidadão correto, de grande potencial, ensinou o caminho do bem para as filhas Glória e Sara.

Um exemplo da amizade que cultivava, apesar da distância, foi a ida da turma da Academia Jovem, de bike, até a praia dos Ingleses. João e Cuti Schmitz, Nego Valentini, Marquito, Sérgio Bock e Germano Pizutti se desafiaram e foram ao encontro do Rey. Uniformizados com as cores da Academia, levaram ao Ruy talvez uma das grandes alegrias que teve nos últimos anos. A maior, o nascimento do neto, Benício. Boa parte de nossas conversas eram sobre o gurizinho e a bola. "Será que não vai perder viagem como o avô dele?", questionava para em seguida dar uma gargalhada e dizer: "Já estou dando as dicas".
Jogou vôlei, basquete, futsal e futebol. Tentou a vida profissional na bola, de São Borja ao Rio de Janeiro, onde fez testes até no Bangu. Na volta, histórias que só acreditávamos porque sabíamos que quem estava contando era capaz daquilo.
Organizou times na infância e adolescência. Montamos o Remo, o Cosmos, o Flamengo e outros que só ele lembraria os nomes. Na quadra onde morava, na Roberto Low, amigos não faltavam. "Professores" do grupo que ele denominava de Bando, liderado por João Carlos Schmitz e Chico Knebel, o Chico Mineiro.
Ainda crianças, com 10 anos, fazíamos parte da Seleção do colégio que disputava o Torneio da Pátria, organizado pelo Corpo de Bombeiros. No primeiro ano que jogamos, vencemos. Um time que tinha ele de capitão, o Gerson Meincke, o Marco Perondi e o Betinho Thomé da Cruz. Na final jogou o Cléber Grabauska, substituto do Ruy, pois ele estava doente. Ele não esquecia. " Só jogou o vizinho Cleber porque eu não pude ir, senão a número 3 era do pai".
"Luiz, nós sempre gostamos de jogo grande".

No ano seguinte, derrota na final, para o time do Formiga e do Jamal, que viraram amigos-irmãos até hoje. E a personalidade do Ruy falou mais alto de novo, ensinamentos que eu trouxe para minha vida. Perdemos num erro de arbitragem. E no encerramento das festividades do 7 de setembro, acontecia a entrega da premiação. Fomos até a Praça, já que ele como capitão, receberia o troféu de segundo lugar e eu de goleiro menos vazado.
Sentamos no muro da Igreja do Relógio, onde, por sinal, fomos confirmados juntos. Quando chamaram para receber a premiação, ele olhou pra mim, já praticamente respondendo, mas perguntou: "Vamos lá buscar?". Respondi que não queria ir e marcamos posição ainda crianças, dizendo que não concordávamos com o resultado. Não tínhamos naquela altura da vida ainda ideia clara do que havíamos feito, mas logo vimos que estávamos no caminho certo.
Para a escola, na segunda-feira, trazia um novo vocabulário, que ampliava o repertório de gírias, que agradava em cheio a gurizada. Os novos "vocábulos" ele ouvia aos domingos, na convivência com a turma da Academia Jovem, seu time no amador de Ijuí.
Ainda no Ensino Fundamental, fui chamado pela orientadora pedagógica. A conversa era no sentido de sugerir que eu me afastasse do Ruy. Ela não sabia que eu já havia escolhido muito bem "minhas más companhias" e, além do mais, com o aval do pai e da mãe, que gostavam demais do Ruy e sabiam, acima de tudo que, com ele, eu estaria protegido.
Nas reuniões dançantes, éramos convidados e ele dizia que só era chamado pois as meninas sabiam que eu, muito tímido, só iria acompanhado dele. E era a pura verdade, apesar de nas festinhas, ele, antes de se interessar pela dança com as gurias, na penumbra da sala da casa, preferia jogar doces em quem estava na pista. Levei algum brigadeiro na cabeça e nas costas.
Numa de nossas conversas recentes, ele calculou, e com a memória infalível, cravou que nós nos conhecíamos há 53 anos, quando entramos no primeiro ano. Colegas de aula até o Ensino Médio, quando ao reprovarmos juntos, saímos para o mesmo lugar.

Além de colegas, amigos de bola, de conversas intermináveis no cordão da calçada na esquina da José Bonifácio e na minha casa. Uma relação que nem a distância prejudicou. Viveu em Santa Maria, São Borja, Pelotas e depois Santa Catarina.
Espirituoso, gostava de brincar, dizendo ter pena de meus filhos, que se banhavam no Potiribu e com unhas sempre sujas, enquanto as filhas dele curtiam as lindas praias catarinenses. E não parava. Sempre tinha uma sacada irônica, criativa, debochada, provocativa e alegre para mandar pelo whats ou nos encontros presenciais que, apesar menos frequentes, quando aconteciam eram muito especiais e valiam por meses.
"Preciso de ti vivo", ele repetia sempre que ligava, perguntando sobre o avanço do câncer que insiste em seguir me mostrando as garras. Se emocionava muito e terminávamos nos declarando um ao outro. "Eu te amo, Luiz". E eu também te amo, meu irmão Ruy".
Eram conversas profundas, carregadas de emoção e sinceridade. Ele adorava relembrar fatos vividos por nós nos anos 80. Um dos preferidos, o gol de bicicleta que fez no campo da Linha 7 Leste, onde disputamos e ganhamos um torneio de final de semana.
"Eu sou ou não sou o teu zagueiro de confiança?", perguntava todas as vezes que ligava. E queria ouvir a resposta. Muito mais que meu zagueiro de confiança, foi meu amigaço, um queridone, um irmão que a vida me deu.
Apesar da tristeza profunda, é momento de agradecer a Deus por ter tido o privilégio da amizade do Ruy durante uma vida. Ô sorte a minha!

Para as gurias do nosso irmão Ruy, Glória e Sara, um beijo nesse momento mais triste da vida de vocês, mas que vai passar, com ele sempre olhando por nós todos e cuidando de vocês lá do alto. Para a Dona Diva, impossível não lembrar dessa mãe extremamente cuidadora e carinhosa com Ruy e com Márcia, e que vocês tenham fé e consigam aos poucos superar a falta que ele já faz.

Que possamos, na próxima semana, nos ver, nos abraçar, chorar juntos e homenagear o nosso inesquecível Ruy Cezar Borck.
E como canta Milton Nascimento, "seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar", pois essa experiência na Terra tem prazo de validade e ninguém sabe quando expira.
Por isso, te digo, meu irmão Ruy, até breve!































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